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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Rei Lear

Segue trecho da obra "Rei Lear", de William Shakespeare.

(comentário à parte:
LEAR - Rei que estava para dividir seu reino e
deixá-lo como dote para suas 3 filhas: Goneril,
Regane e Cordélia)

"LEAR - Enquanto isso, mostrar pretendo nossos
desígnios mais recônditos. Um mapa! Ficai sabendo,
assim, que dividimos nosso reino em três partes,
sendo nossa firme intenção livrar-nos, na velhice, dos
cuidados, bem como dos negócios, para confiá-los a
mais jovens forças, e, assim, nos arrastarmos para a
morte, de qualquer fardo isento. Nosso filho de
Cornualha, assim como vós, Albânia, filho também
não menos caro, temos o propósito certo, neste
instante, de declarar publicamente o dote de nossas
filhas, para que a discórdia futura fique obviada
desde agora. Os príncipes da França e da Burgúndia,
grandes rivais no amor de nossa filha mais nova, em
nossa corte já fizeram sua parada longa e
apaixonada. Ora aguardam resposta. Minhas filhas -
já que neste momento nos despimos do governo, não
só, dos territórios e cuidados do Estado - ora dizeime
qual de vós mais amor nos tem deveras, porque
alargar possamos nossa dádiva onde contende a
natureza e o mérito. Fale primeiro Goneril, a nossa
filha mais velha.
GONERIL - Senhor, amo-vos mais do que as palavras
poderão exprimir, mais ternamente do que a visão, o
espaço, a liberdade, muito mais do que tudo que é
prezado, raro ou valioso, tanto quanto a vida com
saúde, beleza, honras e graça, como jamais amou
filha nenhuma ou pai se viu amado; é amor que
torna pobre o alento e o discurso balbuciante. Amovos
para além de todo extremo.
CORDÉLIA (à parte) - Cordélia que fará? Ama e se
cala.
LEAR - Todo este trecho aqui, de uma a outra linha,
com suas matas e campinas ricas, com rios
caudalosos e seus prados de larga bordadura, te
pertencem. De tua prole e de Albânia, como posse
perpétua vai ficar. Que diz agora nossa segunda filha,
a queridíssima Regane, esposa de Cornualha? Fala.
REGANE - De igual metal que minha irmã sou feita e
pelo preço dela me avalio. No imo peito descubro que
ela soube dar expressão ao meu amor sincero. Mas
ficou muito aquém, pois inimiga me declaro de
quantas alegrias se contenham na mui preciosa
esfera dos sentidos tão-só. Achei minha única
felicidade na afeição de Vossa mui querida Grandeza.
CORDÉLIA (à parte) - Então, coitada de Cordélia!
Contudo, nem por isso, pois estou certa de que meu
afeto mais rico é do que a língua.
LEAR - Que para ti e os teus fique de herança
permanente este terço avantajado do nosso belo
reino, em rendas, graças e extensão não menor em
nenhum ponto do que o que em sorte coube a
Goneril. Nossa alegria, agora, conquanto a última,
não a menor, e cujo afeto jovem os vinhedos da
França e o branco leite da Burgúndia disputam: que
podeis dizer-nos para um terço mais opimo virdes a
obter do que os das vossas manas? Falai.
CORDÉLIA - Meu senhor, nada.
LEAR - Nada?
CORDÉLIA - Nada.
LEAR - De nada sairá nada. Novamente dizei alguma
coisa.
CORDÉLIA - Oh desditosa! Trazer não posso o
coração à boca. Amo a Vossa Grandeza como o dever
me impõe, nem mais nem menos.
LEAR - Que é isso, Cordélia? Concertai um pouco
vossas palavras, para não deitardes a perder vossa
dita.
CORDÉLIA - Meu bondoso senhor, vós me gerastes,
educastes e me amastes, pagando eu todos esses
benefícios qual fora de justiça: com obediência e
amor vos honro sempre extremamente. Por que têm
maridos minhas irmãs, se dizem que vos amam sobre
todas as coisas? Se algum dia vier a casar, há de
seguir o dono do meu dever apenas a metade de
meu amor, metade dos cuidados e das obrigações.
Certeza é nunca vir a casar-me como as duas manas,
para amar a meu pai por esse modo. LEAR - Do
coração te veio o que disseste?
CORDÉLIA - Sim, meu senhor.
LEAR - Tão jovem e tão áspera?
CORDÉLIA - Tão jovem, meu senhor, e verdadeira.
LEAR - Então vai ser teu dote só a tua veracidade.
Pois pela sagrada irradiação do sol, pelos mistérios
de Hécate e, assim, da noite, pelas grandes
operações dos orbes que nos fazem viver e definhar:
desde este instante me desligo dos laços
consanguíneos, preocupações de pai e parentesco,
passando a te considerar como uma pessoa estranha
a mim e a meu afeto, de agora para sempre. O cita
bárbaro ou selvagem que faz da prole pábulo para o
apetite, há de ser mais vizinho do meu seio, acolhido
e consolado, do que tu, que não és já filha minha."

E assim começa a história de Rei Lear, saindo do trono em direção a sua humanidade.

É interessante observar nas obras de escritores antigos (tanto da antiga Grécia quanto os de até alguns séculos atrás) de que a natureza humana continua a mesma; os temas parecem sempre atuais: traição, egoísmo, poder, amor, hipocrisia, pois, quando no trato dos sentimentos e emoções humanas, não evoluimos nada - uns adulam, outros querem ser adulados.

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